terça-feira, 27 de abril de 2010

Um progresso animal: como a modernidade apartou homem e natureza na metrópole paulistana


“Os bondes elétricos, mais profundamente que os anteriores, de tração animal, por suas singularidades tecnológicas e impacto perceptivo-sensorial, foram um dos principais veículos da transformação comportamental urbana e sociocultural ocorrida em São Paulo no início do século XX”, observa o pesquisador Nelson Aprobato Filho no doutorado O couro e o aço: a “aventura” dos animais pelos “jardins” da Pauliceia, defendido no Departamento de História da USP, orientado por Nicolau Sevcenko, com apoio da FAPESP. Eles, continua, “despertavam os moradores da cidade para novos ritmos que, dali em diante, eram obrigados acompanhar”. Mas não era o bastante. José Agudo, em Gente rica – Scenas da vida paulistana, revela os novos desejos por meio do personagem do Dr. Zezinho, “apurado no vestir e frequentador de cassinos e pensões que não têm hora de fechar”. Para ele, era um inferno chegar em casa “depois das duas da madrugada e não dormir, porque principiou o barulho de bondes e carroças”. Afinal, os automóveis estavam chegando e em breve “qualquer pé-rapado há de ter o seu”. “Também deixam atrás de si um fétido horrível de gasolina, mas é chic andar-se de automóvel. Oh! Um 40 HP é soberbo. Depois, quem anda dentro dele não fica sujo de poeira nem sente o mau cheiro da rabeira. Os que foram à pata que se arranjem, ora essa é muito boa!”, filosofava o playboy paulistano, para quem a prefeitura deveria “calçar as ruas de borracha”.
Dr. Zezinho tinha ainda outras filosofias. “Os bondes vieram tornar mais suave o trabalho dos burros. Já se pode ser burro em São Paulo, pois até há bebedouros para eles nas praças públicas. Ali mesmo no Largo São Francisco há um. Que sábia providência. Quanto burro antes não sofria sede. Se os burros falassem, é possível que um deles que por aqui viesse de passeio, parodiando a celebrina Sarah Bernhardt, exclamasse: ‘São Paulo é o paraíso dos burros!’.”  Couro e aço iniciam um estranhamento cujas consequências finais ainda estamos sentindo.
Para ler + da reportagem de Carlos Haag, clique no título

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Queridos parceiros, coloquem em cena suas brilhantes reflexões e produções para que possamos socializar nosso trabalho.